segunda-feira, 10 de junho de 2013

Radioativa, como ela, dançaram.

Antes de tudo começar, andava pelas ruas com olhos tristes e ombros curvados. Mas não do tipo com problemas de postura, ou problemas com a coluna. Do tipo cansado. Ou até pior, do tipo exausto. Onde não conseguia praticamente mais carregar cada parte do seu ser.
Não sabia mais se estava vivo, ou se só estava respirando. Não tinha prazo de validade, mas se tivesse, ele já teria expirado. Era uma piada de mau gosto que costumava contar à si mesmo. E ria, desesperado, ria na cara da própria dor.
Havia se acostumado ao cansaço, seus olhos não se abriam mais. Não completamente. Algo os puxava para baixo, e não era sono, ou gravidade.
Não gostava das luzes acesas ou das cortinas abertas, nem do cheiro de mofo dentro do apartamento. Nada fazia, não tinha vontade de fazê-lo.
Suas roupas cheiravam a cigarro de longe, o tabaco não só impregnava suas roupas, como todo seu ser. Por dentro, e por fora.
Tinha uma máquina de escrever, sentava a sua frente todos os dias, periodicamente, todas as noites como se esperasse que algo ou alguém chegasse. Olhava pela janela, depois para a porta de entrada. Tomava uma dose e fumava um cigarro. Dormia. E ela nunca chegava.
Ele a esperava sem saber sua forma, sem saber seu nome, ou de onde ela vinha. Só esperava. Com os ombros cansados, e os olhos... aqueles olhos tristes.

Num dia desses, se embebedou com o Rum mais caro que encontrou enquanto voltava pra casa, e voltou a sorrir. Por horas dançou no escuro, sem música. Ouvia o barulho da cidade lá embaixo, os carros, as pessoas, seus bares abarrotados de almas a procura de diversão e liberdade. Ouvia amigos conversando sobre mulheres, mulheres conversando sobre homens, ouvia sexo, violência. Ouvia vozes, gargalhadas e desespero. Ouvia vida lá fora, e ouvia a si mesmo, que estivera morto há tanto tempo, lá dentro.
Se entregou.
Chutou as cadeiras, o tapete, e empurrou a tevê da sala para longe. Dançou, completamente bêbado. Dançou ao ritmo da vida lá fora, dançou sua própria música. Sua vida.
E então ela chegou, arrebatadora, sedutora, viva. Chegou como se destruísse cada metro quadrado de apartamento que a recebia.
Ela o consumiu, entrelaçou-se por entre as pernas, amarrou seus braços, se encaixou de maneira perfeita em seus dedos. E beijou seu pescoço.

O que encontraram na manhã seguinte, foi um forte cheiro de álcool misturado com tabaco, e mofo. Tinha uma folha em sua máquina de escrever, nela estavam escritas sua despedida, como tudo aconteceu, e como sentia aquilo. Como a sentiu.
E sempre sentiu.

"Quebrou minhas pernas.
Ainda posso ouvir os sons dos ossos um a um se partindo.
Meus braços.
E os gritos abafados pelo choro há muito enclausurado. Preso. Sufocado.
Meus dedos.
Uma sequência de primeiro cinco, e então mais cinco. No fim, das minhas contas, vinte.
Meu pescoço.
Não tive chance de ter um último suspiro, e se o tivesse, aposto que o alívio não traria minha força vital de volta.
Não como ela o fizera."


Não houveram indícios de que mais alguém estivera naquele apartamento. Alguns dizem que ele surtou, e como estava completamente embriagado agiu impulsivamente sem pensar nas consequências.
Outros, os poetas, como gosto de chamá-los, dizem que aquela foi a despedida, antes do grande ato final. Dizem que ele recebeu uma visita naquela noite, sim, de uma dama completamente irresistível. A dama da noite, eles dizem. Ele viu, sentiu, e viveu o que era Desejo.
Eles dizem, que ela o levou para perto dela, e o enlouqueceu.
Eles a chamam de inspiração.

Ela foi dele como não foi de ninguém, e dançou naquela noite sua despedida. Ela continua solta por aí, pelas ruas, a assassina mais bela que o mundo já conheceu, e poucos homens tiveram o prazer, de ser o prazer e dançar com ele, por uma noite.

Ela foi dele,
como não foi de ninguém,
eles dizem.



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