quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

eu só tenho essa sensação de estar fugindo o tempo todo de alguém que precisa de mim.

sendo que na verdade, ela não precisa.
não mais.

domingo, 28 de setembro de 2014

Tylenol e cerveja

O fato de
não me importar nem por um segundo
com quem voce é,
o que você faz,
com quem você foi beber no bar da esquina
no fim do dia.

se foi você ou não
quem apagou o último cigarro do maço,
que fez do peito pedaço
e chegou em casa aos prantos,
escasso.

não dar a mínima pro teu dia
não perguntar o que é
essa cerveja aos montes na pia
não saber em qual quarto
você gritou meu nome
pra ver se eu te ouvia.

não lembrar do teu nome
apagado
em qualquer guardanapo
esquecido e deixado
na mesa do bar.

sábado, 28 de junho de 2014

S.N.S.A.H

Chegou em casa, largou as chaves em cima da mesa e foi deixando peças de roupa pelos cômodos a medida que passava por eles. Primeiro pela sala, ligando a tevê e deixando os sapatos e as calças. Pelo corredor largou a jaqueta e o colete militar, presente do irmão que há muito não via. Quando chegou na cozinha, tirou a camiseta e soltou os cabelos. Era uma noite realmente quente, por mais que o mês em que estivesse fosse Junho, e a cidade onde morava fosse São Paulo.
Gostava de pouca roupa. Em si, e em quem costumava passar algumas noites pelo apartamento. Ficavam pra um café, ou um conhaque quando caia o tempo e o mundo lá fora, acabavam ficando o resto da noite, quase sem notar a baixa temperatura nas ruas. Afinal, acho que não fazia muito frio embaixo do edredom dela.
Nem sempre era a mesma, os nomes que entravam e saiam pela porta agora eram somente um, em muitas faces. E ela nem sempre se lembrava de muito além disso. Tinha um casamento consigo mesma, e uma regra básica de convivência para fazer essa relação durar: não deixar que qualquer outra relação durasse muito mais que algumas horas. Era assim desde quando já nem se lembrava mais, e nem fazia muita questão de lembrar. Era dessas de fugir de conflitos pessoais, mas incapaz de fugir o olhar a uma bela chave de pernas de mulher. Perna de mulher, podia não se render a muitas coisas, mas essa era uma das coisas da qual não conseguia escapar. Só não conseguia. Não conseguia fugir, e muito menos se policiar a não aceitar de bom grado quando um desses pares vinha com tanta sede ao seu encontro.
Ela podia não valer o que bebia, o que fumava, o que usavam, mas os encontrões nos corredores, as pernas de mulher, o suor descendo pelas têmporas e os lençóis amanhecidos e deixados sempre desarrumados faziam valer o que escrevia. E escrevia como aquele que lhe deu a máquina de escrever no seu aniversário de dezoito anos. Escrevia na máquina com manchas de vinho e a tinta falhada que nunca acabava, com queimaduras de cigarro e o nome "Olivetti" apagado pelo tempo. Aquela máquina já escrevia histórias antes mesmo de nascer, pensou.
Ela amava seu avô. Amava sua mãe, crescera independente por influência dela, mas o velho sempre a fascinava com suas histórias. Prestava tão pouco quanto. Traiu, bebeu e fumou a vida toda, mas nunca deixava uma história pela metade. Escreveu sem roteiro uma vida da qual não se arrependia, e não se arrependeu nem no minuto do último suspiro. Ela dava seguimento, em outro tempo, ao legado e responsabilidade que era ter consigo um instrumento tão velho quanto seus dedos podiam contar. Alguns hábitos realmente não mudam, pensou, o velho estava certo. Ele a tratou como o neto que nunca teve, e ela não se incomodava com isso. Era realmente bonito ver a forma como ele a olhava sem preconceitos, como suas histórias seriam contadas exatamente do mesmo jeito que seriam caso tivesse nascido um menino. Em outra vida, quem sabe.
Gostava de ter algumas noites livres em casa para dar vida ao hobby, sentava na sacada e se encostava na parede do apartamento ao lado. Que não fizesse isso quando estivesse bêbada, nunca, caso resolvesse fazer, que tivesse a consciência de que a queda não a permitiria mais escrever histórias como o velho, ou sentir o toque de alguma delas em uma noite fria. Quando encostava dava alguns tragos antes de começar, e alguns quando terminasse. Era seu incentivo, e por vezes, pensava ser esse seu propósito em noites como aquela.

Acredito ser necessário citar que ela leva uma cicatriz em formato de lua minguante no lado direito da nuca. Quase não dá pra ver, mas a cicatriz está lá desde que se entende por gente. Digo isso porque há um detalhe particularmente peculiar sobre ela: Ela sofre de uma doença genética. Ou melhor dizendo, não sofre. Porque não pode sentir. Tecnicamente falando, é algo chamado Síndrome da Neuropatia Sensitiva Autonômica Hereditária. O velho também a tinha, e ela gostava de pensar que essa era uma das razões para se parecerem tanto.
Voltando a história da cicatriz, bom, seu irmão costumava brincar com fogo quando eram pequenos. Num dia, enquanto estava distraída vendo desenhos, ele a surpreendeu com um anel partido ao meio, era uma velharia, bijuteria de alguém da casa, derretido. Com o susto, ela se virou precipitadamente e não houve tempo dele se afastar. Ela não gritou, não chorou. Não sentiu que estava sendo queimada com o pedaço de cobre derretido. Foi quando percebeu que era imune a dor. Acabara de ganhar uma cicatriz para se lembrar disso para o resto da vida.
E bom, ela era imune a sua dor, mas não aos ferimentos. Na adolescência costumava andar com um canivete, fazendo cortes aleatórios pelo corpo. Gostava de sangrar sabendo que daquilo não sentiria nada. Poderia sangrar até a morte, se quisesse.
Não quis, não quis por bastante tempo. Era invencível, sonhava, e não se importava com quaisquer consequência que seus impulsos lhe causassem depois. Os cortes, os arranhões dos gatos que teve, as unhas das mulheres com quem passava as noites, os tombos... Nada, todas aquelas marcas não eram nada. Estavam lá, mas ela não as sentia sendo feitas, nem depois, nem nunca.

Ela costumava manter suas relações na superfície, algo relativamente estranho de se fazer, quando se é alguém gosta de cortes fundos. Quando se gosta mais do estrago do que da recuperação.
É fácil, sim, porque eu não sinto. Pensava com frequência, já que era a única que aprendera a reconhecer suas mentiras. Engano os outros, não a mim. Pensava, pensava querendo se livrar do pensamento. Querendo se livrar do peso do qual foi refém a vida toda. Não reconhecia a dor física, e por não conhecê-la, pensava que não poderia ser fraca e sentir internamente seus conflitos. Por que sempre enxergou o mesmo rosto em todas elas depois de uma foda memorável? O rosto desconhecido já lhe tirava boas horas de sono mesmo. Por que não lembrava dos nomes, e depois disso, não lembrava muito mais das curvas em que passeou na noite anterior? Escrevia para se lembrar, e sabia disso. Escrevia para saber que aquilo não passava de um delírio, ou era o contrário? Era o delírio destinado ser só aquilo que era, momentâneo? Um delírio no meio do esquecimento diário, ou da nunca conhecida dor. Escrevia para saber que sentia em algum lugar.
Escrevia os nomes em pedaços de papel que ficavam jogados pela casa até a visita da diarista há cada duas semanas.

Não sentiu quando a cicatriz em forma de lua foi feita e não sentia muito bem a mudança de temperatura de onde estava, mas sentia as veias pulsando. Sentia o coração bombeando o sangue que corria. Sentia até alguns de seus vasos estourarem, romperem-se e se reconstituírem com o passar das horas.
Não sentia muito por passar as noites entre pernas, cabelos, olhos e furacões. Sentia um vazio alimentando-se de tudo o que ainda tinha, como na história sem fim, estava fadada como seu herói a ser consumida pelo nada? Até não sobrar. Nada.
Estava fadada a queimar, pulsar, gozar, cortar,
arranhar, bater, quebrar, torcer, foder, cair,
(se deixar) levar,
Até não sobrar.
Mais.
Nada.

terça-feira, 15 de abril de 2014

O inverno chegou.

O fundo dos olhos continuavam vermelhos desde a última noite que passara. O frio não era gentil, e não seria nunca, muito menos quando precisasse de gentileza. O fundo dos olhos, e as bolsas em volta deles eram vermelhos, vermelhos como o que o pegou na noite anterior. Vestia uma blusa com capuz da sua banda favorita e o mesmo e velho par de tênis de sempre, com cadarços que sobravam exageradamente no laço. Vermelhos e surrados. Como seus olhos. Como o que quase lhe matou.
Estava sentado, com as pernas cruzadas nos degraus de uma velha igreja perto de sua casa. Nunca foi religioso, mas buscava algumas respostas, e ponderou sobre entrar no lugar que lhe diziam ser sagrado para encontrá-las. Sua vontade não passou, mas abrandou-se com o passar dos minutos. Tudo o que lhe havia acontecido, não teria explicação no divino, teria explicação apenas no mundano. O mundano que ele provocou a si mesmo. Deixou de lado aquele pensamento, acendeu um cigarro e tomou um trago. A fumaça o invadira, e tomara para si o pulmão pouco acostumado, ainda era jovem, mas tinha se convencido de que o fumo seria seu novo melhor amigo para momentos como aquele. Os melhores piores momentos que passara. Seu corpo já havia rejeitado outros corpos, veneno, bebida, insultos (ficaria surpreso como um soco lhe poderia ser útil a qualquer hora dessas), mas não poderia rejeitar agora o tabaco mentolado que o deixava são. O destruiria por dentro, sim, mas o mantinha com as sanidades no lugar. O corpo se provara só mais um dos inimigos e passou a rejeitar o mal que tragava enquanto via os carros passando. Com a tosse seca podia ver sangue. Era seu sangue.
O sangue o havia abandonado na noite anterior num momento de cruel importância, já havia deixado seu corpo horas antes, numa quantidade considerável, lavando o chão do banheiro onde estava, perdido, com seus pulmões a ponto de saírem pela boca. Deixou o lugar uma bagunça quando as sirenes e os homens chegaram para constatar o que havia ali acontecido.
Passou uma noite com todas as luzes acesas e olhos de curiosos acima de si, curiosos, e com aqueles que seriam pagos para se preocupar com a sua saúde, com o ato de insanidade que cometera naquela noite, que quase pagara com a vida. Agora, estava sentado nos degraus de mármore frios, e com nada além do céu lhe observando. Aquele céu, o céu que estava nublado naquela noite ainda parecia mais limpo que sua consciência já estivera algum dia. Fazia tanto tempo que não sentia mais e não lembrava mais como era se sentir limpo.
Um estranho conhecido estava passando e cruzou seus olhos com os olhos vermelhos, inchados e cansados. Ao invés de continuar sua caminhada, parou e pediu por fogo. Deu-lhe seu único isqueiro e começaram a falar sobre como o tempo havia mudado tão rapidamente naquele fim de outono.
— Ficou frio de repente. Não esperava por essa geada tão cedo. — Deu um trago, e continuou observando a vida passando à sua frente.
— É, acho que ninguém esperava por isso. — respondi.
— Esse frio parece ter vindo para fazer o melhor dos homens se esconder em casa, sem cogitar a ideia de sair nem pra uma cerveja com os amigos.
— Não culpe o frio. Ele não deveria ser um problema. Os amigos não são mais o mesmos e com certeza o melhor dos homens não é mais tão bom assim. — estava começando a ficar impaciente. Aquele homem não ia embora logo e eu gostaria de continuar sozinho, contemplando fosse o que a noite me trouxesse.
— Parece um soco no estômago ou um arrepio na espinha para todos à essa altura. Não me lembro de você ter sido tão amargo, pareceu-me bem há poucos meses. — disse sem graça, já parecia ter percebido que não o queria ali.
— Noite difícil. — respondi, seco, esperando que fosse embora de uma vez.
— Você ainda veste as cores do luto.
— Sempre foram as minhas cores.
— Te falta algo e, se quer saber, nem sempre foram. Você não as veste mais. Elas vestem você.
— Preto é a minha cor. Estou vasto, seja lá do que for, e já me acostumei. — fechei meus olhos e percebi que meu cigarro já estava no fim. Minhas mãos estavam frias, e tremiam enquanto seguravam o filtro, sem deixar que o vento apagasse a brasa. Me contive para não mandá-lo embora ou afundar aquela ponta de fumo no meio de sua testa. Era intrometido e aquelas eram coisas que eu não queria ouvir. Não naquela noite. Não de um estranho.
O homem percebeu que não conseguiria nada com aquela conversa, se levantou e pôs-se a andar, e antes que começasse a se afastar demais disse com um sorriso no canto dos lábios: — Encontre-a. E continuou caminhando.
Aquelas palavras soaram como o tal soco no estômago e o arrepio na espinha do qual o velho estava falando há poucos minutos atrás. O frio não lhe causava estranheza, muito menos as roupas que decidira vestir. O que aconteceu lhe causava sensações que ele não poderia nomear. Não fora como nas outras vezes e não era gentil como o frio não seria no próximo inverno.
Você não as veste. Elas vestem você. Aquelas seriam suas cores enquanto estivesse vivo, enquanto acreditasse ferozmente nisso. Estava se recuperando não sabia bem do quê, mas sabia que não as deixaria de lado tão facilmente. Sabia que fora atingido com algo que possuía suas cores. As cores dos olhos, o vermelho do chão naquela noite.
Estava se perguntando por que ainda estava ali e qual seria o seu propósito a partir daquele momento. Encontre-a. Sabia sobre o que se tratava, sobre quem falava. Sabia que deveria encontrar o que estava perdido. Sabia que as respostas não estavam no sagrado, ou no fugir para outro lugar. Não estavam no mudar de roupas, ou no vestir cores que não fossem suas. Sabia que as respostas não estavam em nenhum outro lugar senão dentro de si. Aquele encontro com o desconhecido acabara de mudar o rumo do que seria sua vida em pouco tempo. O encontro casual com o desconhecido o mudara, enquanto um outro encontro desses acontecia do outro lado da cidade mudando o rumo da vida de quem deveria encontrar.
Sabia o nome. Sabia por onde começar. Esperava não ser tarde.
Mas o mundo é cheio de encontros casuais e repleto de desconhecidos prontos pra mudar o rumo da vida de qualquer um.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Calou

E gradativamente você para de acreditar.

Acreditar no que?

Só acreditar, você para de acreditar. Não é como descobrir que o Papai Noel não existe porque algum parente deixou isso escapar num Natal, enquanto você é criança. É como com o passar dos anos, você sabe que, não tem nenhuma chaminé em que um velhote possa descer e deixar um presente. Você cresce sabendo. E gradativamente deixando de acreditar.

E eu parei de acreditar. Seja no que for. No que rege a existência, ou no que me faz abrir os olhos todos os dias. E então...

Meus joelhos atingiram o chão, com uma velocidade maior do que eu pude contar, ou ver. Mas eu senti. E senti o que era sentir não poder tirá-los no mármore gélido, e branco. Como a aparência do que acabara de ouvir, se fosse materializar-se.
Minhas mãos atingiram o chão, e se desfez aquilo o que ainda era bonito. Aquilo o que ainda seguravam. E podiam aguentar.
Meu peito atingiu o chão, enquanto tossia para fora dos pulmões e da garganta toda a doença, e toda a poluição que conseguiu juntar. E tossia para fora do corpo um coração sem doença alguma. Um coração que não precisava de mais do que já tinha. Onde não havia doença alguma, mas um lamaçal formado a sua volta. A sua volta, sem volta.
Tossiu a miséria, e a culpa que pesavam nos pés.
E meu rosto atingiu o chão, perdeu a cor. E tudo o que dava cor a ele.
Os olhos não se abriam porque não queriam abrir. Estava preso.
E os lábios sentiam o que era salgado, o que não conhecia.

O que nunca havia sentido.

Os joelhos continuam dobrados no mármore frio.
As mãos não esperam por nada.
O peito começou a parar de respirar.
O rosto fora deixado a própria sorte.
E com os olhos fechados,
seu grito, calou.

terça-feira, 4 de março de 2014

Já passam das cinco, e vocês tiveram outra briga.

As constelações nos olhos dela não parecem mais tão acesas. Garoto, a culpa não é sua.
Só não era pra ser.
Não era pra ser assim. Não era pra ser com vocês.

O que não era pra ser?

Eu olhava as constelações dentro daqueles olhos, e me via inteiro. Sem faltar nenhuma parte. Com cada parte do coração, eu olhava para ela.
E ela dormia.
E sonhava.

Eu não me importava. Era bom tê-la lá.
Era bom imaginar como seria o nosso mundo no quintal. E na nossa varanda.
No nosso quarto, e na nossa sala de estar. Eu gostaria de estar lá.
Com ela seria bom, seria muito bom só estar lá, ou em qualquer outro lugar.

Não faça promessas, garoto.

As constelações andam marejadas ultimamente, garoto, você deveria aprender a conduzir esse barquinho de vocês. É inocência. E é a única que nunca volta pro cais, ouvi dizer.

Ela virou para o outro lado, não vai querer te olhar nos olhos agora, mas deixa. Deixa se ela não quiser olhar depois também. Aproveita que ela ainda está do seu lado, ainda dorme no apoio dos seus braços. E agradece, agradece com uma prece ou olha pras constelações, garoto. E agradece por ela estar ali,

porque quem sabe,
ela não esteja mais quando clarear.

Here's a thought, it's all that we've got in the world.
If we let it be,
we're only as good as the fall.

"And here's a note,
to say the words I couldn't say."