sábado, 24 de agosto de 2013

Um copo, um corpo ou dois.


"Me esqueço em pensamentos, 
e tu cobra um pouco de colchão"

Ela não ama, e não querer-me-ia como seu cônjuge exacerbado, cheio de vaidades e historias para contar. Ela não quer.
Ela não ama só por amar, não ama por ser o primeiro,
e não amaria outro, se assim, esse estivesse em meu lugar.
Ela não ama.
E nem o faria, se assim quisesse.

Ela não se fascina pela luz fraca que invade os lençóis no meio da noite,
a luz vem do abajur que ela não quis comprar.
Ela não olha nos olhos,
Ela vira, e revira o colchão.
Se esconde.

Lento, para em frente a sacada, e imagina quantos milésimos de segundo demoraria para atingir a rua,
quantos segundos levariam, e onde, a levaria.

"Desfaz a casa que casa com o meu botão"

E pensa constantemente no vai-e-vem dos corpos, entre os corpos. Não liga para a marca deixada no móvel, feito círculo, que fez um copo qualquer soar na noite anterior.
Um copo.
Um corpo,
ou dois.

"Sem gelo, quero quente,
e que faça queimar, tudo aquilo, até onde possa,
sentir."

Onde foi, e onde está?
Um corpo, ou dois,
que não são mais.
Sólidos;
Estão só.
E só não são,
mais.

"O meu coração ao teu, teu nome talhado e o meu.
Meu sonho, meu sonho."


Boston

She said, "you don't know me,
you don't wear my chains".

Não sei se esse lugar conseguiu mudar, ou se nós mudamos de lugar.
Mudamos.
E isso deveria ser bom, não é?

Seus andares, se mudaram para outrora. O número no qual o interfone deveria tocar, não existe mais. Os quartos vazios, aquele quarto vazio; O nosso quarto. Vazio.
Fazem alguns anos, e ainda parece que temos quatorze anos, e ainda somos os mesmos.
Ainda somos os mesmos.
Ainda existimos, em algum lugar.
No quarto vazio.
Nos quatorze anos.
Ainda estamos lá.
Nós,
ainda seremos,
nós;
Nós,
ainda são nós,
esperando, solução.

She said, "I think I'll go to Boston, I think I'll start a new life,
I think I'll start it over, where no one knows my name"

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

nota de rodapé, para não esquecer.

Ainda que os olhos contadores de histórias olhassem lento e desfocados ao redor, tentando responder perguntas que a própria criação não soube responder, eram preocupação.
Talvez estivessem só apreensivos. Tendo suas histórias sendo comprimidas dentro de cada fenda naquelas cores de terra.
Tendo o riso contido. Mergulhado, submerso,
num universo seu.
E por um momento,
meu.
Os olhos pensavam, sentiam, e passavam sua clareza etérica, donos de tudo, e nada.
O riso, ainda que descompromissado, não jazia vazio,
não ainda.
Tinha receio, receio esse que a continha.
A conteve.
Impedindo-a de inundar os olhos que denunciavam, descaradamente, estarem fascinados.
Todos os olhos,
ao redor.
Que por alguns momentos, eram todos, olhares,
dela.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Estranhos, e botões.


"Lady Black, cigarette?

She rolls her own, I should have known."


Chovia, chovia forte. O cinza das nuvens embaçavam a visão, distorciam o alcance.
Não a vi chegar, e parar ao meu lado.
Estava atrasado, mas parei para um cigarro, usei um beiral de bar para me proteger, e acender minha brasa. Quando olhei para o lado, lá estava ela, revirando a bolsa procurando os fósforos. Tinha em mãos um daqueles cigarros compridos, e finos. Como seus saltos, e suas unhas.
– Fogo?, perguntei desinteressado. Por mais que desinteresse fosse o contrário do que meu tom sugeria.
Ela olhava, e revirou os olhos, aceitando. Vi suas cores dançando na íris, e na sombra que usava.
O céu ainda cegava a rua, a calçada, e os carros, mas de longe seria capaz de cegar minha visão dali.
– Está com pressa?, me perguntou, sugerindo suas entrelinhas, com marcadores de texto explícitos.
– Um pouco, parei pela chuva, e um cigarro.
– Então pode me acompanhar.
– Claro, seria um prazer.
Jogamos conversa fora durante uns dez minutos, até ela finalmente perguntar:
–  Qual a sua história, estranho?
Eu tinha uma história para contar, sem dúvida alguma, mas naquele momento não a contaria à ninguém, nem mesmo à ela. Virei o rosto, quando vi a chuva diminuindo seu ritmo aos poucos. Perguntei à ela se gostaria de sair dali, naquela altura já havia esquecido todos meus compromissos, e estava disposto a conhecer, e me deixar conhecer por aquela mulher.
As horas passavam, e agora havíamos deixado o beiral daquele bar, e estávamos num quarto qualquer. Era o centro, e como mágica, as luzes através da janela começaram a se acender uma a uma, nos apartamentos, e nos postes pelas ruas. Enquanto dentro do quarto, jogávamos um jogo. Àquela altura, ela só usava sua camisa preta de linho, com uns poucos botões capazes de esconder o corpo.
Ela disse,  Um botão, por um segredo. Sem nomes, apenas, segredos.
Ela me perguntou sobre meus amores, não os de arrasar quarteirões, os furacões que costumavam levar nome de mulher, ou vice e versa. Perguntou sobre os casuais.

Me intrigou, e me fez pensar sobre eles. Sobre a boêmia entregue naquelas histórias, naqueles segredos. Segredos de uma só noite.
Falava dos olhares, aquelas que antecediam uma noite memorável. Ou uma noite da qual fosse me fazer acordar no dia seguinte, sem me lembrar aonde estava, e com quem estive.
Os olhares.
Em seguida, os lábios.

Então, todo o resto.
Ela se empolgava enquanto ouvia, e intercalava meus segredos com os seus. Com paixão, e nada além disso.
Já havia perdido a conta de quantos cigarros tínhamos acendido até aquele momento, mas isso não importava mais. Ríamos, perdidos dentro da fumaça daquele quarto.
Eu havia entrado naqueles olhos, e naquelas histórias.

Me perdia cada vez mais naqueles lábios, e naquelas pernas.
Me perdia dentro daquela mulher, e não sabia seu nome.

Paramos por um momento, quando o maço havia acabado, sem deixar nenhum cigarro para nós dois. Eram nossos últimos tragos.
Não me importa quem tenha ganho esse jogo, o jogo de encontros casuais. "O jogo de você", como havíamos batizado. Ela me ganhava a cada botão aberto, e eu a tragava um pouco mais dentro daquela fumaça.
Aquele incêndio.

Me lembraria da estranha, e de como nos pertencíamos naquela noite, que deveria ser a primeira, e última.
A única.

O último gole de gim.

Até cerrarmos aqueles cigarros até o fim, até não ter mais botão nenhum para ser aberto.
Até possuí-la, uma vez,
e nunca mais.


"Kiss the way we were, goodbye.
Goodbye, and farewell."