quarta-feira, 26 de março de 2014

Calou

E gradativamente você para de acreditar.

Acreditar no que?

Só acreditar, você para de acreditar. Não é como descobrir que o Papai Noel não existe porque algum parente deixou isso escapar num Natal, enquanto você é criança. É como com o passar dos anos, você sabe que, não tem nenhuma chaminé em que um velhote possa descer e deixar um presente. Você cresce sabendo. E gradativamente deixando de acreditar.

E eu parei de acreditar. Seja no que for. No que rege a existência, ou no que me faz abrir os olhos todos os dias. E então...

Meus joelhos atingiram o chão, com uma velocidade maior do que eu pude contar, ou ver. Mas eu senti. E senti o que era sentir não poder tirá-los no mármore gélido, e branco. Como a aparência do que acabara de ouvir, se fosse materializar-se.
Minhas mãos atingiram o chão, e se desfez aquilo o que ainda era bonito. Aquilo o que ainda seguravam. E podiam aguentar.
Meu peito atingiu o chão, enquanto tossia para fora dos pulmões e da garganta toda a doença, e toda a poluição que conseguiu juntar. E tossia para fora do corpo um coração sem doença alguma. Um coração que não precisava de mais do que já tinha. Onde não havia doença alguma, mas um lamaçal formado a sua volta. A sua volta, sem volta.
Tossiu a miséria, e a culpa que pesavam nos pés.
E meu rosto atingiu o chão, perdeu a cor. E tudo o que dava cor a ele.
Os olhos não se abriam porque não queriam abrir. Estava preso.
E os lábios sentiam o que era salgado, o que não conhecia.

O que nunca havia sentido.

Os joelhos continuam dobrados no mármore frio.
As mãos não esperam por nada.
O peito começou a parar de respirar.
O rosto fora deixado a própria sorte.
E com os olhos fechados,
seu grito, calou.

terça-feira, 4 de março de 2014

Já passam das cinco, e vocês tiveram outra briga.

As constelações nos olhos dela não parecem mais tão acesas. Garoto, a culpa não é sua.
Só não era pra ser.
Não era pra ser assim. Não era pra ser com vocês.

O que não era pra ser?

Eu olhava as constelações dentro daqueles olhos, e me via inteiro. Sem faltar nenhuma parte. Com cada parte do coração, eu olhava para ela.
E ela dormia.
E sonhava.

Eu não me importava. Era bom tê-la lá.
Era bom imaginar como seria o nosso mundo no quintal. E na nossa varanda.
No nosso quarto, e na nossa sala de estar. Eu gostaria de estar lá.
Com ela seria bom, seria muito bom só estar lá, ou em qualquer outro lugar.

Não faça promessas, garoto.

As constelações andam marejadas ultimamente, garoto, você deveria aprender a conduzir esse barquinho de vocês. É inocência. E é a única que nunca volta pro cais, ouvi dizer.

Ela virou para o outro lado, não vai querer te olhar nos olhos agora, mas deixa. Deixa se ela não quiser olhar depois também. Aproveita que ela ainda está do seu lado, ainda dorme no apoio dos seus braços. E agradece, agradece com uma prece ou olha pras constelações, garoto. E agradece por ela estar ali,

porque quem sabe,
ela não esteja mais quando clarear.

Here's a thought, it's all that we've got in the world.
If we let it be,
we're only as good as the fall.

"And here's a note,
to say the words I couldn't say."